TEXTO DO FRANCISCO COSTA
 
CARTA ABERTA À
EXCELENTÍSSIMA SENHORA CARMEM LÚCIA
 
PRESIDENTE DO STF
 
Senhora, Data Vênia.
Foi com surpresa que a ouvi criticar os que criticam a Justiça.
Ninguém criticou ou critica a Justiça.
 
Há valores, entre eles o amor e a justiça, que são inquestionáveis porque inatos nos seres humanos, instintivos, e por isso, naturais.
 
Não há como se questionar a Justiça. A sua afirmação trouxe, em si, um erro de avaliação, por sobreposição de um ou uns humanos a todos os humanos.
 
Podemos questionar e criticar o sistema de leis em um determinado sistema político-econômico, por justo ou injusto, rigoroso ou leniente; a estrutura do aparelho judiciário, se ágil ou moroso, funcional ou burocrático...: E os serventuários do Poder Judiciário, se isentos, justos, não tendenciosos e partidários, classistas... Ou não.
 
Como tenho posição político-partidária determinada e pública, é certo que a Senhora espera que eu me reporte à chamada Operação Lava Jato e seu mais notório réu.
 
Não! E, talvez por uma deformação da profissão, sou professor, gosto de balizar as minhas afirmações e questionamentos através de exemplos.
 
A polícia flagrou e prendeu uma Senhora, sem antecedentes criminais, de classe baixa, do povo, portando 8,5 g de maconha.
 
Sob a alegação de que mãe de cinco filhos menores, tendo o filho caçula apenas três meses de idade e ainda em fase de aleitamento materno, foi pedido primeiro o relaxamento da sua prisão e, depois, diante da negativa, feita pela Juíza Laurita Vaz, Presidenta interina do STF, durante o recesso, a defesa pediu o cumprimento da pena em regime domiciliar, para que ela amamentasse o recém nascido e cuidasse dos demais filhos, todos, pelas idades, dependentes de cuidados maternos, também negado.
 
O fato é, em si, já um ato de desumanidade, a aplicação da lei em sentido inverso ao da Justiça, atingindo a terceiros e, pior, inimputáveis, por totalmente dependentes, mas... Examinemos relativizando, comparando a outros casos.
 
Esta mesma “justiça” concedeu Habeas Corpus a Roger Abdelmassih, um médico condenado a 278 anos de cadeia, em regime fechado, por ter violentado a pelo menos 38 mulheres, permitindo que ele fugisse para o Líbano, país com que o Brasil não tem tratado de extradição.
 
No Brasil o porte de 8,5 g de maconha, por um pobre, tem maior peso judicial que os estupros de 38 mulheres, praticados por rico.
 
À alegação de dependência de menores à mãe pobre, a “justiça” disse não, ainda que o menor fosse recém nascido, em aleitamento materno, mas para a mulher do ex governador Sérgio Cabral, senhora Adriana de Lourdes Alcelmo, rica, um filho com 12 anos de idade foi argumento suficiente para a transformação de prisão em regime fechado em prisão domiciliar.
 
Note, Senhora, que a mãe pobre está aguardando o início de um processo criminal, enquanto os outros dois citados, ricos, estão com várias sentenças exaradas.
 
Isto posto, passo aos objetos dos crimes.
 
Em poder da mulher pobre foram encontradas 8,5 g de maconha, droga infinitamente menos nociva que a cocaína, e para um helicóptero transportando quase meia tonelada de pasta de cocaína a “justiça” brasileira não reagiu; a um jatinho, que partiu da fazenda de um Ministro de Estado, transportando quase 650 quilos de pasta de cocaína, a “justiça” brasileira não reagiu; a dois aeroportos, construídos em terras particulares, com dinheiro público, fora das rotas dos vôos comerciais, mas na rota no narcotráfico, a “justiça” não reagiu;...
 
 
Não reagiu porque envolve ricos e poderosos.
Assistimos a uma verdadeira guerra, na cidade do Rio de Janeiro, com toda a violência e os requintes bélicos de uma Síria, mas na ponta do varejo do narcotráfico, onde morrem bandidos, policiais e o cidadão comum, todos pobres.
 
Onde estão os atacadistas, senão em suas mansões, com salvo conduto das instituições?
 
Temos agora o escândalo(sim, escândalo) do auxílio moradia dado aos magistrados, no valor de R$ 4.377,00 mensais, ainda que o Juiz seja proprietário de 60 (sessenta) imóveis, como se apurou; que juízes casados com juízas ganhem dois auxílios moradia, ainda que coabitem no mesmo imóvel, próprio; com quase todos tendo imóveis próprios, um deles situado a menos de três quilômetros do local de trabalho do magistrado, com todos rigorosamente ganhando acima do teto constitucional, o que é ilegal e imoral, com magistrados chegando a ganhar meio milhão de reais mensais, conforme denunciado pela mídia.
 
Isto num país onde o salário mínimo não chega a mil reais, com uma massa de mais de doze milhões de desempregados, com a maioria aspirando ao salário de um mínimo, pelo menos.
 
Sua Excelência também criticou as manifestações fora dos autos dos processos.
 
Juízes, com as caras pintadas e blusas da CBF, em passeatas, pedindo a prisão dos que eles mesmos irão julgar, são manifestações nos autos?
 
Juízes, em entrevistas à mídia, acusando réus, indiciados ou só investigados são manifestações nos autos?
 
Juízes, fazendo gravações telefônicas clandestinas e fornecendo cópias à mídia são manifestações nos autos?
 
Juízes, em atos e festividades com réus que irão julgar, com investigados que possivelmente julgarão, bem diz da imparcialidade desses juízes?
 
Como é do seu conhecimento, Excelência, há mais de 2.300 (duas mil e trezentas) investigações em curso, contra magistrados, no Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por venda de sentenças, recebimento de propinas, desvio do dinheiro público, associação com o narcotráfico, Juízes que exercem outras funções em horários de expediente forense, como dar aulas, por exemplo...
 
Como Sua Excelência percebeu, em nenhum momento questionei a Justiça, um valor humano inquestionável.
 
O que fiz foi questionar o Judiciário brasileiro, que age numa sociedade dividida em classes como se dividida em castas, onde a uma tudo é permitido e à outra, os rigores da lei.
 
Quando um cidadão consciente aparentemente questiona a Justiça, e aqui peço Data Vênia novamente, na verdade está questionando a ausência da Justiça, há muito banida deste país, por força de um golpe de Estado, que não criou esta situação, secular, mas está permitindo a sua ampliação até os limites do insuportável.
 
 
Respeitosamente, 
Francisco Costa
Rio, 04/02/2018.